Diz o povo, no seu saber milenário, que “as homenagens são sempre contra alguém”. Pode o propósito ser o mais nobre e elevado, mas nem sempre as honrarias oficiais distinguem quem (pessoas ou instituições) realmente as merecem e muitos são os exemplos que mostram a verdade desta asserção. O nome da Rua do Século, em Nisa, tem uma história curiosa, assim como outras da nossa urbe e que em devido tempo irão sendo contadas. Quem percorre a estreita artéria entre a Porta da Vila e a Rua de Fundo (Angola) e depara com a placa em mármore a indicar-lhe a “Rua do Século” não deixará de se questionar, a que título o arruamento ostenta este nome. A resposta fomos encontrá-la numa das actas da Câmara Municipal, a de 15 de Fevereiro de 1930, na qual a Comissão Administrativa constituída pelo tenente António Falcão (presidente), Mário Augusto Raposo e António Joaquim Fraústo (vogais), decidiram, “tendo em consideração os serviços prestados ao paiz, à Dictadura e particularmente a este concelho, serviços estes evidenciados ultimamente aquando da visita de Sua Exª o sr. Governador Civil a este concelho pelo jornal “O Século”, resolveu dar à rua conhecida pela Rua do Engenho, o nome de Rua do Século” “. O proponente, presidente da Comissão Administrativa vai mais longe e decide “agradecer ao mesmo jornal o envio a esta vila de um delegado especial para fazer a reportagem da visita do Exmo Sr. Governador Civil ao concelho”, bem como “manifestar ao mesmo jornal a sua satisfação pela forma correcta e imparcial como o mesmo enviado especial se desempenhou da sua missão”. E foi assim, pela troca de uma reportagem de propaganda, “imparcial”, que um jornal, “O Século”, na altura com pouco mais de meia dúzia de leitores em Nisa, se guindou ao direito de figurar na toponímia de uma das ruas da vila. Vivia-se em Dictadura, o golpe militar do 28 de Maio estava ainda bem presente na lembrança e o nome antigo da rua (Rua das Adegas e não Rua do Engenho como vem na deliberação) num regime que pretendia preservar a moral e os bons costumes, estava mesmo “à mão de semear” para o retoque da imagem. Em 1942, numa deliberação camarária, que pretendia pôr um pouco de “ordem” no nome das ruas da vila - “ordem” essa que incluía o apagamento de quase todas as denominações republicanas – foi proposto e aprovado que a Rua do Século voltasse a ter o nome de origem: Rua das Adegas. A extensa deliberação, que “mexia” com a maior parte das designações toponímicas de Nisa, nunca foi posta em prática e a placa de mármore lá ficou, sem razão e até hoje, a lembrar um jornal já extinto e com o qual Nisa pouco ou nada tinha a ver.
* O Século foi um jornal diário matutino de Lisboa, publicado entre 8 de Junho de 1880 e 12 de Fevereiro de 1977, data em que foi suspenso.
Mário Mendes