Serra de São Mamede, a primeira região do país a estudar com minúcia a arte rupestre
Remontam a 1706 as primeiras referências a sítios com arte rupestre no Norte de Portugal. Contudo, os primeiros estudos de pormenor e contextuais só foram publicados em 1916 e reportam-se às pinturas esquemáticas do Abrigo dos Gaivões, que se abre nas cristas quartzíticas da serra de São Mamede, na freguesia da Esperança, concelho de Arronches.
A descoberta e a consequente polémica em torno das pinturas da Gruta de Altamira, a partir de 1879, provocou uma vaga de prospecções para identificação de novos locais com arte rupestre em Espanha. Em 1911, o jovem abade Henri Breuil estabeleceu uma rede de prospectores junto dos párocos e intelectuais espanhóis. Terá sido sob este estímulo que o artista plástico e anarquista Aurélio Cabrera, natural de Albuquerque, descobriu na crista quartzítica da sua terra as pinturas esquemáticas do “Risco de São Brás” e que, pouco depois, o levou à aldeia portuguesa da Esperança, acompanhado pelo geólogo Hernández-Pacheco. Ali estudaram os primeiros painéis de arte rupestre de Portugal, no Abrigo dos Gaivões. As restrições à circulação de pessoas atrasaram a vinda de Henri Breuil à aldeia da Esperança para reconhecer as novas descobertas. Quando chegou a Arronches, em finais de 1916, com passaporte diplomático, foi bem acolhido pelas autoridades locais, mas, perante a insistência em fotografar as grutas da zona fronteiriça, foi visto como espião e detido pelo sargento da GNR de Arronches. Até ser reconhecido pelo seu amigo José Leite de Vasconcellos, ficou sob prisão. No entanto, num passeio pelas margens da ribeira do Caia, acompanhado pelo seu carcereiro, Breuil descobriu a Estação Paleolítica de Arronches, o primeiro local deste período identificado no Alentejo.
Confirmadas por Breuil, as primeiras pinturas esquemáticas da aldeia da Esperança geraram uma sucessão de visitas à serra de São Mamede pelos arqueólogos do século XX que se interessavam por esta temática. Decorrente desses trabalhos, no fim do século XX, passaram a conhecer-se quatro abrigos com pinturas na serra: Gaivões, Louções, Igreja dos Mouros e Pinho Monteiro.
A importância científica destes achados originou um projecto de investigação coordenado pelo Laboratório de Arqueologia da Universidade de Évora, que teve início em 2007, vindo a alargar-se a toda a serra e seus contrafortes e também em território espanhol. Hoje, conhecem-se mais de trinta abrigos com pinturas na serra de São Mamede.
A arte nestes abrigos inscreve-se no grande universo vulgarmente denominado de esquemático. Entre figuras lineares, pontos e manchas, identificam-se representações humanas, isoladas ou em grupo e diferentes tipos de quadrúpedes. Os serpentiformes, os ramiformes, os discos, provavelmente astrais efigurações geométricas, estão também presentes nestes abrigos e lapas. No Abrigo do Ninho do Bufo, em Marvão, reconhece-se a singular representação duma parturiente. Não muito distante de Alegrete, por trás do altar da Ermida de Nossa Senhora da Lapa esconde-se um abrigo, a que se acede por uma estreita passagem, repleto de pinturas esquemáticas que piedosas mãos cristãs tentaram esconder sob camadas de cal.
Terão sido os primeiros agricultores e pastores, que do VI ao III milénio antes de Cristo levantaram as antas e os menires, que terão pintado nos diversos abrigos estas enigmáticas mensagens gráficas.
https://nationalgeographic.pt/ 16 de Setembro de 2021Texto: Jorge de Oliveira
Fotografias: Ricardo Lourenço