Cameron,
então Primeiro Ministro do UK e para contentar os descrentes e
antieuropeístas existentes no seu partido e na sociedade do UK,
avançou com um referendo a toda a população do UK (Inglaterra,
Escócia, Irlanda do Norte e País de Gales, nações que constituem
o Reino Unido - UK, porque este conceito é mais amplo do que GB
que se referiria apenas à grande Ilha Britânia e que não inclui
as duas parte das Irlanda, uma delas - a do Norte- pertencente ao
UK). Não avaliou as consequências de colocar no povo uma decisão
tão importante para muitos milhões de cidadãos britânicos e não
só. Referendar algo de tamanha importância para o
presente e o futuro duma nação é uma atitude de políticos sem
visão de Estado e também duma das maiores incompetências, face
à enorme importância que o Brexit tem e terá no UK e na própria
Europa, porque vem por em causa um projeto de união, embora a EU
possa subsistir e continuar a crescer sem o UK.
Naquele ato
irrefletido de Cameron, que tem vindo a revelar-se num enorme “quebra
cabeças”, pode concluir-se que e apesar de se pugnar pela
democracia como “poder do povo” , há decisões que não podem
“descer à rua” e devem, pois, ser tomadas pelos políticos
eleitos que têm os instrumentos e os saberes e conhecimentos que o
povo não tem para decidir com autoridade que não apenas a do poder
do seu voto, igual para os letrados e os iletrados. Seria bom se
as sociedades estivessem de tal modo desenvolvidas para que os seus
cidadãos pudessem votar com pleno saber e competência sobre
decisões tão importantes para a sua nação. Faltarão muitos e
muitos anos para que isso possa vir a acontecer. Até lá, têm que
ser os políticos, devidamente eleitos, a decidir em plena
consciência pelos interesses do Estado e do seu povo e não cobarde
e incompetentemente, “delegar no povo” a sua falta de visão de
estadistas.
O
exemplo de todo o imbróglio que se tem revelado o processo do Brexit
deixa-nos atónitos e a pensarmos como foi possível decidir em
referendo a saída do UK da EU sem que os políticos da UK e da EU
soubessem sobre consequências daquele ato, porque, pelos vistos,
entrar é fácil, mas sair é muito complicado. Alem disso, o UK
(Reino Unido) não se revelou, neste processo (referendo e processo
de saída) nada “unido” pois na Escócia e na Irlanda do Norte a
votação foi pela permanência do UK na EU e, mais fraturante ainda
na Irlanda porque na ilha existem duas nações e, segundo as regras
da EU, as fronteiras foram “abolidas” no que diz respeito à
livre circulação de pessoas e bens e, nestes anos de permanência
conjunta, desenvolveram-se relações difíceis agora de desfazer,
porque tudo voltará ao tempo das fronteiras reais que as pessoas
rejeitam, depois dum período de habituação a uma realidade bem
diferente.
Apesar
de Cameron, que, entretanto, “desapareceu de cena” ter prometido
e executado o referendo e face a tamanha dificuldade em avançar com
a saída do UK da EU, não conseguem ver os acuais políticos
no Governo da UK (Theresa May como PM) que repensar a saída pode ser
um enorme ato de Estado e de estratégia em prol da UK e duma europa
que se deseja forte e não fragmentada, face aos “inimigos” (USA,
Rússia, China, etc) que desejam uma EU fraca ? Ao contrário do que
defendem os democratas que dizem que se deve respeitar a vontade
soberana do povo e que, no seu conjunto de UK votou, ainda que
ligeiramente (52 % ! dos votos válidos) , pela saída da EU,
persistir num erro e num ato irrefletido como foi o referendo pode
ser considerado um erro histórico para a UK. Neste tempo de
negociações com a EU, todos terão aprendido muito e estarão agora
mais habilitados do que estavam aquando do referendo em junho de
2016, pelo que decidir pela permanência, em novo referendo ou por
decisão do Governo e do Parlamento, poderia revelar-se um enorme ato
de Estado, esse sim, a ficar na história pelas melhores razões e
não pelas piores se o Brexit for avante. Aliás, as manifestações
e uma petição de milhões de cidadãos no UK, bem como os
imigrantes ali residentes e dos cidadãos britânicos residentes em
países da EU, por exemplo no Algarve, têm vindo a exigir um novo
referendo, na esperança de que o “povo decida” de forma
diferente da anterior, agora que já “cheirou” os enormes
problemas que advirão, se a sua votação (decisão) anterior se
mantiver. Corrigir um erro com outro referendo seria apenas “anular”
ou confirmar que o povo do UK estará disposto a “suicidar-se”
coletivamente como nação.
Seja
qual for a decisão, este processo do referendo e da eventual
saída do UK da EU é uma grande lição para muita gente, mas, acima
de tudo, para os políticos populistas, de esquerda e de direita,
que na sua ânsia de serem “reis num quintal” e ali exercerem o
poder, colocam em causa a democracia a coesão dos países e os
interesses dos seus cidadãos. São muitos os exemplos que me
dispenso de mencionar, mas a Catalunha é o mais relevante ou de
outros que ameaçam sair da EU.
O povo que esteja atento e, com o seu
voto, decida por políticos que defendam e tenham uma estratégia de
elevado interesse de Estado e da Europa, porque quanto mais forte ela
for, melhor será para os europeus, face a potências emergentes que
fazem perigar o equilíbrio geopolítico do mundo. Ou continuará a
Europa a depender da proteção dos USA?
Serafim
Marques
Economista