25.5.11

MEMÓRIA: Amália Rodrigues em Nisa

Passam neste ano de 2011, trinta e cinco anos que uma das mais importantes artistas portuguesas e mundiais do século XX, veio a Nisa cantar pela primeira e única vez.
Amália Rodrigues, a grande Diva do fado cantou na nossa vila, no dia 13 de Agosto de 1976 integrada nas “Festas do Povo”, como eram então chamadas e ainda hoje são recordadas, na Alameda, em pleno coração da Praça da República.
Amália Rodrigues era a grande figura de cartaz das festas desse ano, em que figuravam outros artistas de renome, como: Lenita Gentil, Artur Garcia, Fernanda Baptista, Eugénia Lima, o Trio Harmonia, Moniz Trindade, Tucha de Mascarenhas, Gina do Carmo, Trio Guadiana, entre outros. Quatro dias de festa, música e muita animação, cujas receitas revertiam para melhoramentos e obras de beneficência.
As “Festas do Povo” eram um dos eventos culturais que se realizavam em Nisa durante o ano, mais aguardados e ansiados pela população. Era a oportunidade de ver e ouvir ao vivo, alguns dos mais conhecidos e reputados artistas do nosso país. Ponto e local de encontro privilegiado de todos os cidadãos residentes na vila e no concelho e dos emigrantes que viviam no estrangeiro e que nos visitavam nas férias.
Nessa altura, Nisa tinha igualmente para oferecer aos cidadãos os memoráveis bailes na Sociedade Artística Nisense e no Sport Nisa e Benfica; as inesquecíveis sessões de cinema e de teatro no decadente Cine Teatro, programadas pelo saudoso Sr. Vilela Mendes; as festas do Mártir Santo; as procissões e as romarias á Srª da Graça e Srª dos Prazeres; as actuações dos Ranchos Folclóricos; as diversas actividades culturais realizadas na Casa do Povo e pelo Centro Recreativo e Cultural de Nisa; as grandes exibições de futebol por aquela que foi uma das melhores equipas que o Sport Nisa e Benfica teve em toda a sua história; os animados dias de feira com os seus carrosséis e os diversos circos que assentavam arraiais durante o ano, no coração da vila; entre outros.
Nisa recebeu Amália Rodrigues com enorme entusiasmo e júbilo. Recorde-se que a fadista, aos 56 anos de idade, estava ainda nessa altura no auge da carreira, em que a sua presença e voz, arrastavam multidões atrás de si para a contemplar e ouvir. No inicio dessa década, em 1970, tinha sido editado “Com que voz” um dos discos mais importantes da sua carreira e que é considerado por muitos como o melhor jamais gravado em Portugal, em que a artista canta alguns dos grandes poetas portugueses, com música do compositor Alain Oulman. Depois da sua passagem por Nisa haveria de gravar, nos anos oitenta, dois belíssimos Lp com poemas seus “Gostava de Ser Quem Era” e “Lágrima”.
Registe-se que 1976 e o ano seguinte, foram dos mais intensos da carreira de Amália Rodrigues em Portugal e no estrangeiro. No ano em que esteve em Nisa, Amália Rodrigues cantou no Théatre des Champs Elysées (Paris), na Roménia, Itália, Japão, Brasil e Espanha. Foram editados os Lp “Amália no Canecão”, “No Café Luso” e “Cantigas da Boa Gente” e surge ao lado de Maria Callas, John Lennon, Yehudin Menuhin, Gilbert Bécaud, Salvatore Adamo, entre outros, no disco “Le Cadeau de la Vie”, publicado pela UNESCO.
A sua passagem pelo concelho de Nisa, no período pós 25 de Abril, coincidiu com uma das fases mais difíceis e conturbadas da vida pessoal e da carreira da fadista e está infelizmente referenciada num dos capítulos daquela que é a sua mais importante biografia publicada em 1987, “Amália: Uma Biografia” da autoria de Vitor Pavão dos Santos, um dos seus mais devotos admiradores, fundador do Museu Nacional do Teatro.
Numa localidade do nosso concelho, que é referida no livro, um homem numa esplanada, chamou á Amália Rodrigues «a pior coisa que se podia chamar a um português depois do 25 de Abril», como escreveu Miguel Esteves Cardoso em “A Causa das Coisas”. Depois de ter ouvido tal impropério, Amália abordou o homem e perguntou-lhe porquê, tendo ele dito, muito atrapalhado, que a artista tinha uma casa em Versalhes (França).
Recorde-se que nesta época da vida portuguesa, após o 25 de Abril de 1974, no fervor revolucionário, o fado foi denegrido, hostilizado, quase excluído da comunicação social escrita e das emissões de rádio e televisão estatais. Natália Correia escreverá em Janeiro de 1976 que o fado «foi atirado para o cesto dos papéis rasgados» pela «pedagogia cantante esquerdista». Amália Rodrigues é a vítima e alvo preferencial deste clima de hostilidade, com a circulação de boatos que atravessam Portugal inteiro e que a colocam como suspeita de ter estado ligada ao antigo regime e de ter colaborado com a ex-polícia política, a PIDE.
Amália Rodrigues dirá na sua biografia «Como é que eles sabiam que eu era contra eles, quando aconteceu o 25 de Abril? Eles não sabem nada! Houve pessoas que tomaram conta dos jornais e de mim não se falava. Tomaram conta da rádio e os meus discos não se tocavam. Na televisão eu não podia aparecer. Só o público é que não conseguiram pôr contra mim. O público nunca me abandonou.»
Nunca se provou o seu comprometimento com o antigo regime. Amália Rodrigues foi uma das vítimas de algumas injustiças que se cometeram no período revolucionário.
O único e o mais importante documento existente, que atesta e perpetua a passagem da genial artista portuguesa pela vila de Nisa, é o precioso Cartaz das Festas, editado e imprimido pela Tipografia Nisense. Não se conhece actualmente nenhum documento fotográfico, da actuação de Amália nessa noite em Nisa. Seria importante para dar a conhecer às gerações vindouras, que fosse depositado um exemplar do cartaz na Biblioteca Nacional (B.N.), que é a instituição em Portugal que melhor preserva e salvaguarda todos os documentos que são editados no nosso país.
Para conhecer melhor a vida e obra da mais importante artista portuguesa do século XX, sugiro a audição dos discos que gravou, nomeadamente de “Busto”, “No Café Luso”, “Fado Português”, “Vou dar de beber à dor”, “Com que Voz”, “Cantigas numa língua antiga”, “Gostava de ser quem era” e “Lágrima”; a leitura de alguns dos livros que estão editados, nomeadamente a imprescindível e incontornável biografia de Vítor Pavão dos Santos, no dizer de Estrela Carvas, uma das secretárias de Amália, mais autobiografia da Diva do que biografia do autor, “Versos” de Amália Rodrigues, “Amália, um coração independente” (catálogo da exposição do Museu Berardo), “Amália no mundo: o mundo de Amália” (catálogo da exposição do Panteão Nacional), “Amália Rodrigues, retratos fotográficos Silva Nogueira” (catálogo da exposição do Museu Nacional do Teatro), “Os meus 30 anos com Amália” de Estrela Carvas, “Amália Rodrigues” de Cristina Faria (Fotobiografias Século XX. Direcção de Joaquim Vieira), “Pensar Amália” de Rui Vieira Nery; a visão de alguns dos filmes que interpretou, como: “Capas Negras” de Armando Miranda, “Fado, história de uma cantadeira” de Perdigão Queiroga ou o pouco conhecido “As Ilhas Encantadas” de Carlos Villardebó, a sua melhor interpretação no cinema. É igualmente de visão obrigatória o documentário, “The Art of Amália” de Bruno de Almeida.
Aconselho vivamente a visita em Lisboa, á Casa Museu Amália Rodrigues, na Rua de São Bento; ao Museu do Fado, no Largo de Chafariz de Dentro em pleno Bairro de Alfama e ao Panteão Nacional, no Campo de Santa Clara, onde estão depositados os restos mortais de uma das maiores artistas que Portugal já viu nascer.
José Manuel Rufino Lopes