O salão da Casa do Povo de Montalvão tornou-se pequeno para
receber as centenas de pessoas que ali acorreram no passado sábado para a
apresentação do livro “Os Militares de Montalvão e Salavessa na Guerra do
Ultramar” da autoria de José da Graça de Matos, capitão da Força Aérea,
reformado, que com sua filha, Fátima Matos, médica e com experiência em
situações de stress pós traumático de guerra, fizeram a apresentação da obra.
Quarenta anos depois do fim da guerra colonial, o livro destaca
a presença dos militares da freguesia em todas as frentes operacionais em que Portugal esteve
envolvido desde o Estado da Índia, a Angola, Guiné, Moçambique, Cabo Verde,
Timor, S. Tomé Príncipe, num trabalho de investigação porfiado e intenso em
diversas instituições e que não dispensou, como foi explicado pelo autor, o
contacto individual através de inquéritos com cada um dos 155 militares que
recordam, no livro, as suas histórias de vida em tempo de guerra.
A sessão de apresentação do livro foi também uma homenagem a
todos quantos combateram na Guerra do Ultramar, muitos deles presentes na sala,
com uma evocação especial e sentida aos quatro militares da freguesia que já
não voltaram com vida.
No início da obra, José da Graça de Matos, explica os
antecedentes da guerra colonial, uma guerra que “podia ter sido evitada” e que
trouxe sofrimento a milhares de famílias, como o demonstra o número de 8.831
militares mortos durante as campanhas de África, a que se juntam mais de 30 mil
feridos evacuados e 14 mil deficientes.
Um sofrimento ainda bem visível no rosto de alguns familiares de
militares que faleceram e que não conseguiram evitar a emoção e as
lágrimas.
Após a apresentação do livro teve lugar no anexo da Casa do Povo
um almoço e convívio de veteranos da guerra do Ultramar.
O AUTOR
José da Graça de Matos nasceu em Montalvão, a 14 de Março de
1939. Prestou serviço na Força Aérea Portuguesa na área de Abastecimentos,
especialidade pela qual fez três comissões de serviço em Angola e Moçambique e
sendo reformado como capitão.
TESTEMUNHO
João Manuel Gordo da Graça, 67 anos, é um dos ex-militares que conta a sua história da presença em terras africanas.
João Manuel Gordo da Graça, 67 anos, é um dos ex-militares que conta a sua história da presença em terras africanas.
Trabalhava no campo como jornaleiro, antes de ingressar na vida
militar. Fez a recruta em Leiria, a especialidade no Batalhão de Cavalaria 7,
na Calçada da Ajuda em Lisboa, após o que rumou a Estremoz para integrar a
Companhia de Cavalaria 1774 mobilizada para Angola. Ali esteve de Novembro de 1967 a Dezembro de 1969.
Dois anos longe da família, amigos e da terra natal que recorda, passados mais
de quarenta anos.
“Embarcámos no “Uíge” e regressámos no “Niassa”. Em Angola
estive na região de Nambuangongo, na altura uma das mais perigosas. Passámos
por muitas situações de ataques da guerrilha e emboscadas e eu fui louvado na
Companhia por estar sempre disponível e cumprir zelosamente os deveres. Houve
duas situações em que estivemos debaixo de fogo e de grande risco. Na primeira,
íamos a atravessar um rio e quando chegámos à margem, um dos nossos foi
atingido e a malta começou a chorar. Eu disse: deixem-se ficar aí a lamentar
que ainda cai mais algum. Mais tarde fomos atacados na coluna militar, saltámos
do Unimog e eu voltei a repetir: fiquem aí a bradar pela mãe que a situação
ainda é pior. Numa e noutra situação reagimos e pusemos os terroristas em fuga.”
Duas atitudes em “teatro de guerra” que não passaram despercebidas
ao comando da Companhia e o soldado João Manuel, de Montalvão, para além dos louvores,
ainda gozou 15 dias de férias em
Nova Lisboa , no Huambo.
Cumprido o serviço militar e constituída a família, João Manuel
tomou o caminho de tantos conterrâneos seus. Emigrou para França, onde
trabalhou, na região de Tours, durante 16 anos. Hoje, revivendo as emoções dos
tempos de guerra, não lamenta a sua participação no conflito ultramarino.
“Foi dos tempos melhores que passei, apesar dos perigos e dos
sacrifícios. Tantos sacrifícios por que passámos e foi tudo por água abaixo, não
tirámos resultado nenhum. Foi muito importante esta iniciativa, a
apresentação do livro, que serviu para nos encontrarmos e convivermos uns com os
outros. Mostra, afinal, que as pessoas não esqueceram a guerra do Ultramar,
apesar dos jovens não ligarem nenhuma, pois, hoje, praticamente já ninguém vai à
tropa”
Mário Mendes
Mário Mendes