23.4.14

MONTALVÃO: Livro sobre a guerra do Ultramar evoca militares da freguesia







 O salão da Casa do Povo de Montalvão tornou-se pequeno para receber as centenas de pessoas que ali acorreram no passado sábado para a apresentação do livro “Os Militares de Montalvão e Salavessa na Guerra do Ultramar” da autoria de José da Graça de Matos, capitão da Força Aérea, reformado, que com sua filha, Fátima Matos, médica e com experiência em situações de stress pós traumático de guerra, fizeram a apresentação da obra.
Quarenta anos depois do fim da guerra colonial, o livro destaca a presença dos militares da freguesia em todas as frentes operacionais em que Portugal esteve envolvido desde o Estado da Índia, a Angola, Guiné, Moçambique, Cabo Verde, Timor, S. Tomé Príncipe, num trabalho de investigação porfiado e intenso em diversas instituições e que não dispensou, como foi explicado pelo autor, o contacto individual através de inquéritos com cada um dos 155 militares que recordam, no livro, as suas histórias de vida em tempo de guerra.
A sessão de apresentação do livro foi também uma homenagem a todos quantos combateram na Guerra do Ultramar, muitos deles presentes na sala, com uma evocação especial e sentida aos quatro militares da freguesia que já não voltaram com vida.
No início da obra, José da Graça de Matos, explica os antecedentes da guerra colonial, uma guerra que “podia ter sido evitada” e que trouxe sofrimento a milhares de famílias, como o demonstra o número de 8.831 militares mortos durante as campanhas de África, a que se juntam mais de 30 mil feridos evacuados e 14 mil deficientes.
Um sofrimento ainda bem visível no rosto de alguns familiares de militares que faleceram e que não conseguiram evitar a emoção e as lágrimas. 
Após a apresentação do livro teve lugar no anexo da Casa do Povo um almoço e convívio de veteranos da guerra do Ultramar.
O AUTOR
José da Graça de Matos nasceu em Montalvão, a 14 de Março de 1939. Prestou serviço na Força Aérea Portuguesa na área de Abastecimentos, especialidade pela qual fez três comissões de serviço em Angola e Moçambique e sendo reformado como capitão.
TESTEMUNHO
João Manuel Gordo da Graça, 67 anos, é um dos ex-militares que conta a sua história da presença em terras africanas.
Trabalhava no campo como jornaleiro, antes de ingressar na vida militar. Fez a recruta em Leiria, a especialidade no Batalhão de Cavalaria 7, na Calçada da Ajuda em Lisboa, após o que rumou a Estremoz para integrar a Companhia de Cavalaria 1774 mobilizada para Angola. Ali esteve de Novembro de 1967 a Dezembro de 1969. Dois anos longe da família, amigos e da terra natal que recorda, passados mais de quarenta anos.
“Embarcámos no “Uíge” e regressámos no “Niassa”. Em Angola estive na região de Nambuangongo, na altura uma das mais perigosas. Passámos por muitas situações de ataques da guerrilha e emboscadas e eu fui louvado na Companhia por estar sempre disponível e cumprir zelosamente os deveres. Houve duas situações em que estivemos debaixo de fogo e de grande risco. Na primeira, íamos a atravessar um rio e quando chegámos à margem, um dos nossos foi atingido e a malta começou a chorar. Eu disse: deixem-se ficar aí a lamentar que ainda cai mais algum. Mais tarde fomos atacados na coluna militar, saltámos do Unimog e eu voltei a repetir: fiquem aí a bradar pela mãe que a situação ainda é pior. Numa e noutra situação reagimos e pusemos os terroristas em fuga.”
Duas atitudes em “teatro de guerra” que não passaram despercebidas ao comando da Companhia e o soldado João Manuel, de Montalvão, para além dos louvores, ainda gozou 15 dias de férias em Nova Lisboa, no Huambo.
Cumprido o serviço militar e constituída a família, João Manuel tomou o caminho de tantos conterrâneos seus. Emigrou para França, onde trabalhou, na região de Tours, durante 16 anos. Hoje, revivendo as emoções dos tempos de guerra, não lamenta a sua participação no conflito ultramarino.
“Foi dos tempos melhores que passei, apesar dos perigos e dos sacrifícios. Tantos sacrifícios por que passámos e foi tudo por água abaixo, não tirámos resultado nenhum. Foi muito importante esta iniciativa, a apresentação do livro, que serviu para nos encontrarmos e convivermos uns com os outros. Mostra, afinal, que as pessoas não esqueceram a guerra do Ultramar, apesar dos jovens não ligarem nenhuma, pois, hoje, praticamente já ninguém vai à tropa”
Mário Mendes