6.2.11

OPINIÃO: Figuras populares de Nisa,...nos textos de Mário Mendes

(acontecimentos , pessoas e coisas, no traço e sorriso que vem do coração do seu autor)
Já não é a primeira vez que Mário Mendes, um poeta magnífico das palavras e dos sentimentos, nos vem trazer dos arquivos das nossas memórias figuras das nossas infâncias.
Foi assim com o Senhor Carlos dos Pregões, cujos pregões ressoaram de imediato nos nossos espíritos tal e qual o Autor rematou e pintou com rigor inigualável, e a concomitante beleza que lhes era inerente, foi o nosso querido Adolfo, foi a descrição magnífica da Rua Direita e das suas figuras, e agora a figura extraordinária de um santo...o Senhor Alberto carpinteiro, o fazedor das nossas bitôrras.
Sim porque pequenos príncipes como éramos, ...não era qualquer peão mais pequeno que nos servia.
E para o Senhor Alberto os meninos que nós éramos, tratava-vos como príncipes .
E éramos de facto. Que não de título (também não queríamos os títulos).
Os santos não têm religiões, quero dizer não pertencem necessariamente a religiões organizadas.
O Senhor Alberto carpinteiro era um santo...
Nós na nossa dimensão intuíamos que perante tal bondade... só de um santo se podia tratar.
E daí o quasi entrarmos em espaço sagrado quando o visitávamos.
O Senhor Alberto que nos fazia as bitôrras...não era um qualquer peão de uma madeira qualquer, como referimos ...Nós queríamos bitôrras de madeira de azinho, como eram imponentes as nossas bitôrras.....
E aí (lá) íamos nós... meu primo António (Chaves), o António Maria Bicho (meu inigualável e bom e único companheiro da primeira à quarta classe, cuja lealdade recíproca permanece mesmo depois da tua morte... que o Senhor na sua Bondade Infinita se apressou a compreender e aceitar à luz da tua categoria superior de ser humano ,... e dadas as circunstâncias de não estares bem, pelo que devemos estar tranquilos e em paz, ...iria no grupo o teu primo Mário (Bicho), o nosso querido Mário,... e se calhar também iria o Carlos e o José Manuel da Casa Povo...
E o Senhor Alberto recebia-nos os bocados do azinho e explicava-nos que ia depois ao torno para que saísse a obra prima.
“ Oh meus meninos deixem ficar que eu vou ver o que posso fazer...”. Isso vindo de quem vinha bastava-nos.
Com ele tínhamos o maior dos respeitos... e dizem as vizinhas que ele na verdade era um ser extraordinário.
Depois íamos chatear a cabeça dos ferreiros, não saíamos de lá, deixávamos lá as bitôrras para nos fazerem os bicos em aço que víamos eles incorporarem a jeito e a quente, mas com cuidado para não estragarem o trabalho de arte do Senhor Alberto, ou abrir qualquer abertura na madeira junto ao bico.
Se a coisa demorava tínhamos chatice , ... não lhes deixavamos a porta até conseguirmos o resultado.
Depois havia só que comprar guita da melhor, talvez cordão do melhor que a nobre peça merecia.
Porventura adquirido já não sei bem onde mas talvez no Senhor Bernardino ou no Senhor José (o irmão) que nos atendia pessoalmente.
Em conclusão, além de principezinhos éramos uns gestorzinhos com uma certa classe ... , éramos nós que projectávamos estas coisas, negociávamos, pagávamos, só que não fomos aproveitados por esta gente sábia da política, ... salvo alguma excepção.
Mas que culpa temos nós disso ...
É que sem nós isto é o que se vê.
Como dizem os brasileiros: “cansei de ficar no chão. Subi de novo o muro”... da minha infância, com o impulso da recordação do Senhor Alberto, um santo fazedor dos nossos sonhos de infância, de bitôrras torneadas pelas santas mãos de marceneiro, como Jesus, desarquivados pela mão justa e oportuna do autor das “figuras populares de Nisa”, das nossas infâncias, ...com a beleza que caracterizam tais textos.
E, meu caro Mário ... o Senhor Alberto faz parte de nós, continua a fazer parte de nós, porque nós amámos, compreendemos, e guardámos o primeiro dos sentimentos para que tudo tende ... o amor entre as pessoas.
O amor verdadeiro ... que consegue guardar vivo na memória o amor vivo que só um santo pôde e conseguiu transmitir aos meninos que nós éramos e que persiste em nós.
Com amizade, João Castanho