A
crendice do sobrenatural penetrou sempre, através dos tempos, nas mitologias
populares no nosso país, estando sujeita a visões exacerbadas, tenebrosas,
envolvida num mundo tradicionalmente fantástico, oferecendo elementos fortes e
altamente decisivos na criação literária de muitos autores portugueses com
acentuada predisposição para este tipo de feitura.
O
Povo Alentejano, contemplativo, sonhador, com um fundo inesgotável de emoções
quiméricas que lhe ficou enraizado nas velhas tradições populares lendárias,
impregnado de visões míticas, de histórias tétricas, de bruxas e lobisomens, é
notavelmente propenso para criar dentro de si engenhos excêntricos onde a
imaginação poética dá largas para produzir imagens terríficas, sugestionáveis e
deveras misteriosas.
Com
efeito, foi precisamente inserido na atmosfera dessas narrativas do inverosímil
e do insólito que surgiu o poeta e prosador alentejano Duarte de Sequeira,
autor do século XIX, natural de Nisa, que será objecto deste artigo, o qual
está completamente esquecido.
Se
o contista transmontano, Álvaro do Carvalhal (1844-1868), é hoje considerado o
expoente máximo da literatura fantástica ou de terror criada em Portugal, o
escritor Duarte de Sequeira, também não é superado nos domínios dessa feitura,
já que a sua linguagem literária se compraz em quadros, ou situações análogas,
revelando uma sentida adequação para transmitir o consumo de um mundo espectral
onde figuram imagens tenebrosas, que aliás, poeticamente, sabia descrever.
Enfim, um universo onde pairam elementos de genuína expressão macabra,
fantasmática, tantas vezes focada nos autores de preferências ultra-românticas.
O
que é certo, é que em algumas das suas narrativas, se agitam impulsos duma
psicologia estranhamente conturbada pela nostalgia sepulcral; reconhece-se um
estado mórbido, desordenado, lutando por uma resignação fatalista que o leva à
satisfação do seu próprio masoquismo. Assim o atesta o texto inserido numa das
suas histórias publicadas num “Almanaque de Lembranças” dos meados do século
XIX:
“Naquela
noite fatídica de trevas tenebrosas, a sineta da capela do cemitério de Niza,
sacudida por ventos ancestrais ecoava nas lúgubres penedias um som abafado,
revelando o oráculo de infernais projecções .
Um
turbilhão fantástico de terrível caos, invadia o espaço deixando transparecer
as últimas badaladas de um sinistro dia de finados.
Uma
ave sombria, estranha, negra, como os madeiros de um XXXX mortuário pousou
sobre uma caveira de mármore esculpida num mausoléu despedindo um grasnar
estrépido, agoureiro”
Terminando:
na erradiação prestigiosa dos poetas e prosadores portugueses de tendência para
o elemento fantástico, poucos se lembrarão de Duarte de Sequeira, mas a sua
personalidade criadora jamais poderá ser legitimamente esquecida.