Segunda-feira
de Páscoa, Feriado Municipal de Nisa
As
“caianças” estão feitas, mas o “corre-corre” continua. Os fornos estão a arder.
No ar paira o cheiro a bolos fintos e a queijadas. Alinhados no tabuleiro, os
“lagartos” e as “freiras” espreitam, como os seus olhos de feijão-frade, as
brincadeiras da garotada. As tigeladas ficaram boas, não ganharam “pé”. O vinho
da melhor talha está guardado. Os borregos e os cabritos aguardam o sábado, são
matéria-prima do ensopado!
São
os preparativos!
Segunda-feira
trancam-se as portas e “vai-se” à “Senhora da Graça”.
Anualmente
na segunda-feira de Páscoa – feriado municipal – a região de Nª srª da Graça
enche-se de colorido e do bulício dos residentes na vila de Nisa, nas demais
povoações do concelho e também daqueles que, embora residindo longe, não querem
faltar ao cumprimento da tradição, ao encontro com os familiares e amigos, à
volta da improvisada mesa campestre, e aos festejos religiosos – missa, sermão
e procissão – em honra da padroeira e, por vezes, madrinha – Nª Srª da Graça.
Não
há referências às origens desta festividade, porém, apesar de já ter revestido
outras características, não é inédita, nem única, quer a nível do concelho, do
distrito ou do país.
Segunda-feira
de Pascoela, ainda que em escala muito menor, o facto repete-se mas, desta vez,
para festejar Nª Srª dos Prazeres.
Há
notícia de ter havido outras romarias no local, mas caíram em desuso e as
ermidas dos Santos de devoção encontram-se em ruínas (S. Lourenço). (1)
Santo
Isidro que se alberga na ermida de Nª Srª dos Prazeres também já teve a sua
festa promovida pelos lavradores, porém, muito recentemente, passou ao
esquecimento.
Quase
diariamente (de manhã e à tarde) ao longo do ano, pequenos grupos,
principalmente de mulheres desfiando as “contas” do terço e rezando em coro,
deslocam-se a pé (raramente de viatura) a Nª Srª da Graça para solicitar
benesses ou para o cumprimento de promessas das quais a “novena” é vulgar.
Por
vezes, é a santa que, em procissão desce à Vila para atender a um pedido
colectivo (o último aconteceu já este mês, relacionado com o problema da seca).
Nem
só a religiosidade estreita os laços dos nisorros com esta zona.
Segundo
a tradição, aqui se localizou a primitiva Vila – Nisa-a Velha – que terá sido
queimada e arrasada pelo Infante D. Afonso aquando das lutas fratricidas que
travou com D. Dinis, rei que pagaria posteriormente, a lealdade demonstrada
mandando edificar e cercar de muralhas, a cerca de
A
história aponta para a veracidade dos factos, os dados arqueológicos não os
desmentem e indiciam também, uma permanência humana no local, muito mais recuada
no tempo.
O
cume, “cabecinho” da colina onde se ergue a ermida de Nª Srª da Graça do qual
se desfruta uma paisagem com aspectos multifacetados e com vastos horizontes
que culminam na Serra da Estrela e na vizinha Espanha, distingue-se dos
circundantes pela sua configuração, beleza e difícil acesso.
A
tudo isto a detecção de ruínas de estruturas de características defensivas que
denunciam ter existido ali um castro e, daí, o ser conhecido como “castelinho”.
O
castro deve ter sido romanizado, pois, na área, têm sido encontrados tijolos
(lateres) fustes de colunas e aras com inscrições votivas e no estudo da
etimologia NISA, têm, alguns autores, referido a latinização de origem grega.
No
vale a norte da colina, serpenteia a Ribeira de Nisa para cuja transposição foi
construída uma robusta ponte de granito com via de acesso em calçada. A ponte tem
marcas medievais, porém não é de excluir a sua possível origem romana.
Existem,
na região, os seguintes vestígios, ruínas e monumentos: Ermida de S. Lourenço
(ruínas), Cruzeiro datado de 1638 (Cruz Alta), ruínas da igreja de
Santiago,amontoados dispersos de pedras ( xisto e granito), dispersão de
fragmentos cerâmicos, indícios de estruturas soterradas, quatro fontes (sendo
uma delas coberta e, daí, Fonte Coberta) Ermida dos Fiéis de Deus, Ermida de Nª
Srª dos Prazeres (imóvel classificado de Interesse Público), Ermida de Nª Srª
da Graça, via (calçada e ponte) vulgarmente conhecida por ponte dos mouros,
romana, medieval e de Nª Srª da Graça.
Decorre
o seu processo de classificação e estão previstas outras de recuperação,
segundo protocolo estabelecido entre a autarquia nisense e a Direcção regional
do Sul dos Monumentos Nacionais. (2)
É,
em suma, a “Senhora da Graça”, rica em motivos religiosos, culturais, arqueológicos,
históricos, arquitectónicos e paisagísticos.
Bem
merece, bem merecemos, o deferimento do pedido de classificação formalizado ao
IPPC e os trabalhos de recuperação/beneficiação previstos. (3)
Segunda-feira
vamos à “Nossa Senhora da Graça”!
José
Dinis Murta – Fonte Nova – 16/4/1992
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NOTA DA REDACÇÃO: O texto de José Dinis Murta foi publicado em de 1992, como se indica. Depois disso houve algumas alterações que aqui registamos:
(1) - A ermida de S. Lourenço foi reconstruída e re-inaugurada em 10 de Agosto de 2005, a pouco mais de um mês das eleições autárquicas.
(2) - O sítio de Nossa Senhora da Graça foi classificado em 2013 como Conjunto de Interesse Público, classificação baseada na proposta elaborado por José Dinis Murta, o autor do artigo.
(3) - Houve
escavações por duas vezes, a primeira da quais em 1995, com co-direcção dos trabalhos de José Dinis Murta.
(4) - Para os interessados nas tradições e no património, lembramos que este historiador publicou em 1997, na revista cultural de Marvão " Ibn
Maruan" , um artigo de cerca de trinta páginas intitulado " Um passeio à Senhora da Graça (Nisa)". A brochura pode ser lida, facilmente, na Biblioteca Municipal de Nisa.