Não é verdade que o Presidente da
República, depois da rejeição parlamentar do programa do Governo na passada
terça-feira, tenha como opção nomear ou recusar a nomeação de António Costa
como primeiro-ministro. Demitido este Governo por força de norma constitucional
explícita (alínea d), n.º 1 do artigo 195.º), cabe ao Presidente encetar novas
diligências para encontrar uma solução governativa que satisfaça os critérios a
que sempre está vinculado mas cuja leitura fica agora drasticamente simplificada.
Com efeito, cerca de dois terços dos eleitores, através dos seus representantes
eleitos, recusaram a continuidade das políticas de austeridade que o Governo
recém-empossado se propunha assegurar e, chegado o momento de avaliar as suas
propostas, manifestaram com clareza o seu repúdio e, na mesma ocasião, o seu
apoio a uma alternativa política liderada pelo Partido Socialista.Aquilo que
distingue o chamado sistema "semipresidencial" adotado pela
Constituição portuguesa de outros modelos de democracia parlamentar em cuja
família se integra são, precisamente, as atribuições do Presidente na formação
do Governo. A latitude destes poderes, formulados com grande amplitude - como
convém à redação da Lei Fundamental da República - está também ali delimitada
com suficiente rigor. A definição das "principais orientações
políticas" e as "medidas a adotar ou a propor nos diversos domínios
da atividade governamental" (artigo 188.º da Constituição) devem constar
do programa de Governo que tem de ser previamente apreciado pela Assembleia da
República, sem qualquer possibilidade de interferência do Presidente. E só
depois de a Assembleia da República ter debatido e aceitado o seu programa,
assume o Governo a plenitude das suas funções ou então, cai como caiu! De facto
- e de direito! - a larga margem de apreciação dos resultados eleitorais de que
o Presidente gozava anteriormente - sobretudo, neste quadro parlamentar em que
nenhuma força política obteve a maioria absoluta - fica agora condicionada pela
interpretação feita pelos próprios representantes eleitos, do sentido do
mandato que receberam. Não pode o Presidente sobrepor os seus critérios ou
preferências aos critérios e preferências dos próprios representantes,
enunciados no lugar soberano da representação democrática e certificados por
entendimentos escritos e declarações públicas.Como é bem sabido, a missão
específica que o Presidente da República cumpre na nossa democracia
constitucional - o que justifica, aliás, a sua eleição por sufrágio universal e
lhe permite até, em circunstâncias excecionais, demitir o Governo e dissolver o
Parlamento - é "assegurar o regular funcionamento das instituições
democráticas" (n.º 2 do artigo 195.º). Seria absurdo que tal poder fosse
subvertido pelo seu próprio titular e que o Presidente se transformasse no
principal fator de perturbação "do regular funcionamento das instituições
democráticas" que justamente lhe cabe proteger! Seguramente que o
Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, não o fará.
Pedro Bacelar de Vasconcelos - "Jornal de Notícias" - 12/11/2015