5.10.22

NISA: Evocação de CRUZ MALPIQUE nos 120 anos do seu nascimento (1902- 2022)

 
Os alunos não são taleigos a encher, mas cabeças e carácteres a formar. E os professores, a nível universitário, não serão gramofones a mastigar discos com barbas brancas”.
O Homem - O Escritor - O Humanista
Manuel da Cruz Malpique, nasceu na freguesia do Espírito Santo, em Nisa, a 28 de Setembro de 1902. Filho de gente humilde que arrancava à dureza dos campos, os magros meios de subsistência, cedo Cruz Malpique começou a sentir as agruras da vida.
Em 1918, a pneumónica leva-lhe a mãe e, nesse mesmo ano, no próprio dia em que seguia para Portalegre para frequentar, como externo, o liceu, morreu o seu tio paterno, o padre António da Piedade Marques, que se tinha revelado como seu protector.
Antes, já Cruz Malpique, para além da vida na lavoura, havia trabalhado nos correios e telégrafos e nas oficinas da Escola Prática de Engenharia de Tancos.
Em 1923, após ter concluído o curso liceal e graças ao apoio do benfeitor Carlos Moreira da Costa Pinto, importante lavrador de Sousel, matricula-se na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e um ano depois (1924) na Faculdade de Letras.
Em 1928, completa ambos os cursos, Direito e Filosofia, e depois de frequentar a Escola Normal Superior, inicia a carreira de professor do Ensino Secundário que o vai levar, sucessivamente, aos liceus de Gil Vicente e Pedro Nunes em Lisboa, Faro, Angra do Heroísmo e Luanda.
Esteve em Angola até 1947, leccionando como professor e além das funções docentes, colaborou em vários jornais e revistas, escrevendo grande parte da sua obra literária.
Foi reitor do Liceu Salvador Correia, durante três anos, foi também chefe dos Serviços de Instrução daquela ex-colónia, e presidente da Sociedade Cultural de Angola.
" A criação permanente do homem pelo homem, querendo para o homem uma situação cada vez mais humana - revista, corrigida e aumentada -, eis o autêntico humanismo".
De regresso ao país, foi professor durante os anos de 1948 até 1984, no Liceu Alexandre Herculano, no Porto, cidade que considerou como sua terra adoptiva e na qual viria a falecer em 6 de Setembro de 1992, aos 90 anos de idade.
Cruz Malpique deixou mais de 200 títulos de uma vastíssima obra literária que integra, ainda " uma enorme catreva de inéditos" por publicar, guardados na Biblioteca Municipal do Porto. Em parte da sua obra surge com o nome de autor, o pseudónimo de Manuel de Nisa, reafirmando o seu orgulho de nisense e homenagem à terra-mãe.
A sua obra percorre campos tão diversos como a filosofia ( o seu grande "amor") a pedagogia, a análise biográfica, ou a psicologia, livros em que mostra o seu perfil humanista.
De entre as obras dadas à estampa, num trabalho contínuo e profícuo dedicado às letras, merecem destaque: Introdução à vida intelectual - 1934 - a sua tese de licenciatura e que dedicou ao Dr. Joaquim de Carvalho, a António Sérgio, com que conviveu e a Carlos Moreira da Costa Pinto; O homem, centro do mundo (1936), Como se faz um escritor (1939), O homem de ciência (1940), Arte de conversar (1950), Psicopedagogia da Curiosidade (1952), Leonardo da Vinci, operário da inteligência (1952), O homem, glória e refugo do Universo (1953), Filosofia do plágio (1955), Pão para a boca do homem (1957), Linguagem falada e escrita (1969), José Régio, alguns aspectos da sua biografia interior (1971), Perfil humanístico de Abel Salazar (1977). A esse propósito, o do amor à escrita, dizia Cruz Malpique que "ler é importante, mas escrever é, para mim, a verdadeira "pândega", tão grande é o prazer que isso me proporciona". Daí não ser de admirar que a par dos livros que publicou, Cruz Malpique tivesse mantido uma longa colaboração com jornais e revistas e participado em inúmeros colóquios e conferências sobre os mais variados temas, em cerca de sessenta anos de actividade literária.
" A nossa Universidade abunda em sacristãos da ciência, recitadores de um latim que não criaram, mentalidades de papel impresso, e muito deste em segunda mão".
Enquanto leccionou no Liceu Alexandre Herculano, o professor Cruz Malpique ensinou alunos que se viriam a tornar figuras de destaque da cultura portuguesa, entre os quais, José Augusto Seabra (já falecido), José Pacheco Pereira e Manuel Alegre. Os alunos deste liceu criaram uma gazeta literária com o título "Prelúdio" tendo escolhido como orientador o professor Cruz Malpique. Ali foi publicada, no primeiro número, uma poesia de Manuel Alegre, "Rosas da Mocidade", talvez a primeira a ser impressa e que transcrevemos no final deste texto evocativo. É ainda Cruz Malpique quem escreve o prefácio do livro de poesia "Sensações Românticas" de Manuel Alegre, editado em 1955.
Por toda a sua actividade enquanto professor, escritor, humanista, pedagogo, Manuel da Cruz Malpique, é, justamente, considerado uma das figuras maiores da cultura portuguesa, nascido em Nisa e que aqui recordamos nos 120 anos do seu nascimento.
A Câmara Municipal de Nisa, atribuiu-lhe, em 1987, a medalha de Ouro de Mérito Municipal e deu o seu nome a uma das ruas da Vila, cerimónia que muito sensibilizou o professor, escritor e humanista.
Do mesmo modo, o Município do Porto, cidade na qual residiu durante muitos anos e foi professor no Liceu Alexandre Herculano, deliberou, em 15 de Dezembro de 1992, atribuir o nome do escritor nisense, a uma rua da freguesia de Ramalde, numa homenagem a título póstumo e realizada um ano após a morte do Dr. Cruz Malpique, ocorrida em Setembro de 1992.
AS ROSAS DA MOCIDADE
(Coronemus nos rosis ante quam marcessant)
Ao Exmo. Sr. Dr. Cruz Malpique


Ó rosas em flor da doce Mocidade,
Hoje vicejais, amanhã murchais!
Ai botões de rosa da santa idade,
Em que se vive ainda ao sabor dos pais!.
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Gozemos, amigos, o feliz instante,
Destas rosas belas, a desabrochar!
Num dia futuro, não muito distante,
Vereis as florzinhas, tristes, a murchar...
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Cantemos, cantemos, ao nosso esplendor!
Em taças de oiro, o fruto da vida
Bebamos. A nossa alma pede amor,
Deixemo-la andar amando... perdida...
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Andemos, que ela esvoaça depressa!
Ai rosas bonitas, que breves sois!
Chorarmos agora, ai, livrai-nos dessa,
Ó rosas viçosas que murchais depois!
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Amigos, amigos, segui adeante,
Eu paro, que fico... que fico a chorar!
Gozai, que esta hora passa num instante,
É como uma noite de suave luar!
.
Vereis, depois, vir noites, noites infindas,
Que não passam nunca, que aborrecem sempre!
Olhai para estas rápidas e lindas,
Estas são assim, olhai... não duram sempre!
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Ai rosas benditas, breves, talvez...
Ai rosas bonitas, que lindas que sois!
Vós brilhais um dia, mas uma só vez,
Vós brilhais um dia e murchais depois!.

M. Alegre Duarte (5.º ano)

* Mário Mendes in "Alto Alentejo" - 4/10/2022