“
Os alunos não
são taleigos a encher, mas cabeças e carácteres a formar. E os
professores, a nível universitário, não serão gramofones a
mastigar discos com barbas brancas”.
O
Homem - O Escritor - O Humanista
Manuel
da Cruz Malpique, nasceu na freguesia do Espírito Santo, em Nisa, a
28 de Setembro de 1902. Filho de gente humilde que arrancava à
dureza dos campos, os magros meios de subsistência, cedo Cruz
Malpique começou a sentir as agruras da vida.
Em 1918, a pneumónica leva-lhe a
mãe e, nesse mesmo ano, no próprio dia em que seguia para
Portalegre para frequentar, como externo, o liceu, morreu o seu tio
paterno, o padre António da Piedade Marques, que se tinha revelado
como seu protector.
Antes, já Cruz Malpique, para
além da vida na lavoura, havia trabalhado nos correios e telégrafos
e nas oficinas da Escola Prática de Engenharia de Tancos.
Em 1923, após ter concluído o
curso liceal e graças ao apoio do benfeitor Carlos Moreira da Costa
Pinto, importante lavrador de Sousel, matricula-se na Faculdade de
Direito da Universidade de Lisboa e um ano depois (1924) na Faculdade
de Letras.
Em 1928, completa ambos os
cursos, Direito e Filosofia, e depois de frequentar a Escola Normal
Superior, inicia a carreira de professor do Ensino Secundário que o
vai levar, sucessivamente, aos liceus de Gil Vicente e Pedro Nunes em
Lisboa, Faro, Angra do Heroísmo e Luanda.
Esteve em Angola até 1947,
leccionando como professor e além das funções docentes, colaborou
em vários jornais e revistas, escrevendo grande parte da sua obra
literária.
Foi reitor do Liceu Salvador
Correia, durante três anos, foi também chefe dos Serviços de
Instrução daquela ex-colónia, e presidente da Sociedade Cultural
de Angola.
"
A criação permanente do homem pelo homem, querendo para o homem uma
situação cada vez mais humana - revista, corrigida e aumentada -,
eis o autêntico humanismo".
De regresso ao país, foi
professor durante os anos de 1948 até 1984, no Liceu Alexandre
Herculano, no Porto, cidade que considerou como sua terra adoptiva e
na qual viria a falecer em 6 de Setembro de 1992, aos 90 anos de
idade.
Cruz Malpique deixou mais de 200
títulos de uma vastíssima obra literária que integra, ainda "
uma enorme catreva de inéditos" por publicar, guardados na
Biblioteca Municipal do Porto. Em parte da sua obra surge com o nome
de autor, o pseudónimo de Manuel de Nisa, reafirmando o seu orgulho
de nisense e homenagem à terra-mãe.
A sua obra percorre campos tão
diversos como a filosofia ( o seu grande "amor") a
pedagogia, a análise biográfica, ou a psicologia, livros em que
mostra o seu perfil humanista.
De entre as obras
dadas à estampa, num trabalho contínuo e profícuo dedicado às
letras, merecem destaque: Introdução
à vida intelectual -
1934 - a sua tese de licenciatura e que dedicou ao Dr. Joaquim de
Carvalho, a António Sérgio, com que conviveu e a Carlos Moreira da
Costa Pinto; O
homem, centro do mundo (1936),
Como
se faz um escritor (1939),
O
homem de ciência (1940),
Arte
de conversar (1950),
Psicopedagogia
da Curiosidade (1952),
Leonardo
da Vinci, operário da inteligência (1952),
O
homem, glória e refugo do Universo (1953),
Filosofia
do plágio (1955),
Pão
para a boca do homem (1957),
Linguagem
falada e escrita (1969),
José
Régio, alguns aspectos da sua biografia interior (1971),
Perfil
humanístico de Abel Salazar (1977).
A esse propósito, o do amor à escrita, dizia Cruz Malpique que "ler
é importante, mas escrever é, para mim, a verdadeira "pândega",
tão grande é o prazer que isso me proporciona".
Daí não ser de admirar que a par dos livros que publicou, Cruz
Malpique tivesse mantido uma longa colaboração com jornais e
revistas e participado em inúmeros colóquios e conferências sobre
os mais variados temas, em cerca de sessenta anos de actividade
literária.
"
A nossa Universidade abunda em sacristãos da ciência, recitadores
de um latim que não criaram, mentalidades de papel impresso, e muito
deste em segunda mão".
Enquanto leccionou no Liceu
Alexandre Herculano, o professor Cruz Malpique ensinou alunos que se
viriam a tornar figuras de destaque da cultura portuguesa, entre os
quais, José Augusto Seabra (já falecido), José Pacheco Pereira e
Manuel Alegre. Os alunos deste liceu criaram uma gazeta literária
com o título "Prelúdio" tendo escolhido como orientador o
professor Cruz Malpique. Ali foi publicada, no primeiro número, uma
poesia de Manuel Alegre, "Rosas da Mocidade", talvez a
primeira a ser impressa e que transcrevemos no final deste texto
evocativo. É ainda Cruz Malpique quem escreve o prefácio do livro
de poesia "Sensações Românticas" de Manuel Alegre,
editado em 1955.
Por toda a sua actividade
enquanto professor, escritor, humanista, pedagogo, Manuel da Cruz
Malpique, é, justamente, considerado uma das figuras maiores da
cultura portuguesa, nascido em Nisa e que aqui recordamos nos 120
anos do seu nascimento.
A Câmara Municipal de Nisa,
atribuiu-lhe, em 1987, a medalha de Ouro de Mérito Municipal e deu o
seu nome a uma das ruas da Vila, cerimónia que muito sensibilizou o
professor, escritor e humanista.
Do mesmo modo, o Município do
Porto, cidade na qual residiu durante muitos anos e foi professor no
Liceu Alexandre Herculano, deliberou, em 15 de Dezembro de 1992,
atribuir o nome do escritor nisense, a uma rua da freguesia de
Ramalde, numa homenagem a título póstumo e realizada um ano após a
morte do Dr. Cruz Malpique, ocorrida em Setembro de 1992.
AS
ROSAS DA MOCIDADE(Coronemus nos rosis ante quam marcessant)
Ao Exmo. Sr. Dr. Cruz Malpique
Ó rosas em flor da doce Mocidade,
Hoje vicejais, amanhã murchais!
Ai botões de rosa da santa idade,
Em que se vive ainda ao sabor dos pais!.
.
Gozemos, amigos, o feliz instante,
Destas rosas belas, a desabrochar!
Num dia futuro, não muito distante,
Vereis as florzinhas, tristes, a murchar...
.
Cantemos, cantemos, ao nosso esplendor!
Em taças de oiro, o fruto da vida
Bebamos. A nossa alma pede amor,
Deixemo-la andar amando... perdida...
.
Andemos, que ela esvoaça depressa!
Ai rosas bonitas, que breves sois!
Chorarmos agora, ai, livrai-nos dessa,
Ó rosas viçosas que murchais depois!
.
Amigos, amigos, segui adeante,
Eu paro, que fico... que fico a chorar!
Gozai, que esta hora passa num instante,
É como uma noite de suave luar!
.
Vereis, depois, vir noites, noites infindas,
Que não passam nunca, que aborrecem sempre!
Olhai para estas rápidas e lindas,
Estas são assim, olhai... não duram sempre!
.
Ai rosas benditas, breves, talvez...
Ai rosas bonitas, que lindas que sois!
Vós brilhais um dia, mas uma só vez,
Vós brilhais um dia e murchais depois!.
M. Alegre Duarte (5.º ano)
* Mário Mendes in "Alto Alentejo" - 4/10/2022