Chamava-se Janan Saleh al-Sakafi, tinha quatro meses de vida. A mãe não a conseguia alimentar e foi assistindo à queda do cabelo e das unhas da sua bebé. Em linguagem técnica, como lhe explicaram depois num hospital que não tinha medicamentos para a tratar, sofreu de acidez sanguínea, insuficiência hepática e renal. Resumindo: morreu de fome.
Era palestiniana de Gaza e nada justifica a sua morte. Nem a luta por um Estado palestiniano independente, nem a necessidade de combater os terroristas islâmicos do Hamas, nem a vontade de libertar reféns. Janan morreu porque um regime outrora democrático e hoje sequestrado por extremistas de direita, fanáticos religiosos e um primeiro-ministro com mandado de captura internacional, está a levar à letra o lunático que ocupa a Casa Branca e a transformar a faixa na Riviera de Gaza, arrasando tudo e expulsando as suas gentes, matando-os à fome, para os incentivar à “saída voluntária”.
O Mundo assiste, desinteressado do sofrimento, incluindo os portugueses, entretidos que andamos com promessas de descidas delirantes de impostos, aumentos impossíveis de pensões e salários e crescimentos económicos imaginários. Com a notável exceção de Paulo Raimundo, o líder comunista, que, fugindo ao guião, aproveitou o debate entre os oito principais líderes partidários para uma curta observação sobre o sofrimento dos palestinianos de Gaza.
O que teríamos para dizer se a bebé se chamasse Maria, se fosse a bebé de um vizinho, se fosse nossa filha ou neta? O que está acontecer em Gaza, com dois milhões de pessoas em risco de fome, depois de tanta bomba, destruição e morte, é indescritível. E exige de todos, e em particular dos que têm voz no espaço público, e mais ainda de quem tem a capacidade política de decidir e pressionar, uma posição firme e ação determinante. Num tempo em que tantos ministros se querem mostrar na televisão, por onde anda Paulo Rangel, que tem a pasta dos Negócios Estrangeiros? Já era altura de dizer qualquer coisa, ou o facto de Israel se propor terraplenar Gaza e expulsar os palestinianos que entretanto não morrerem de fome não é motivo suficiente?
· Rafael Barbosa – Jornal de Notícias - 08 maio, 2025