22.7.25

EXPOSIÇÃO: Fotos premiadas de Samar mostram sofrimento atual (e futuro) dos palestinianos


Samar Abu Elouf, cuja fotografia de Mahmoud Ajjour, de nove anos, uma criança palestiniana que ficou sem braços devido aos bombardeamentos israelitas em Gaza, foi escolhida pelo júri internacional da World Press Photo como Foto do Ano de 2025, esteve este domingo em Portimão, na estreia em Portugal da exposição das melhores imagens do fotojornalismo mundial.

Em conversa prévia com os jornalistas, Samar Abu Elouf contou que começou a fotografar muito jovem porque sempre pensou «nas crianças dos campos de refugiados da minha terra, de Gaza».

Foi esse trabalho, que começou a mostrar no território palestiniano e em outros países árabes, como o Egito, que a tornou conhecida e a levou a trabalhar para o New York Times, um dos maiores jornais norte-americanos e mundiais.

Mas se era difícil a vida dos palestinianos, antes de 7 de Outubro de 2023, tornou-se impossível desde o início dos bombardeamentos de Israel, que fechou o território de Gaza, impedindo os seus habitantes de sair de lá ou de receber apoio exterior. Um gueto gigante, na realidade.

No início da guerra (desta guerra, porque muitas outras tem havido, mais ou menos faladas), foi o New York Times, com o seu peso internacional, que conseguiu «extrair» Samar e os seus quatro filhos de Gaza, levando-os para Doha, a capital do Qatar, nos Emirados Árabes Unidos.

E foi no Qatar que a jovem Samar Abu Elouf continuou a trabalhar, enquanto fotojornalista freelance, para o NYT, documentando a vida dos refugiados palestinianos, sobretudo das muitas crianças gravemente feridas, que conseguem tratamento nesse país árabe.

Foi precisamente uma dessas fotografias, a de Mahmoud Ajjour, que, depois de gravemente ferido em Gaza, conseguiu ser retirado do território para ser tratado no Qatar, que valeu a Samar o maior prémio mundial de fotojornalismo.

Sem braços, magro, de olhar baixo e triste, meio na sombra talvez para não o expor demasiado aos olhos do mundo, Mahmoud é até um símbolo. «Ao escolher esta foto, o júri quis mostrar o impacto futuro da guerra na Palestina, porque, mesmo que a guerra acabe, quem vai sofrer os seus efeitos nas próximas décadas são estas crianças e as suas famílias», explicou Rafael Dias da Silva, da Fundação World Press Photo (WPP).

Não foi fácil trazer Samar Abu Elouf a Portimão, como contou João Neves dos Santos, curador da exposição da WPP na cidade algarvia e membro da Associação Música XXI, que, em conjunto com a Câmara Municipal portimonense, promove a mostra.

«A Samar foi extraída de Gaza com os seus quatro filhos, mas o resto da família ainda lá está. E a família já lhe disse que, se ela voltar, matam-na a ela e a eles», acrescentou João Neves dos Santos.

«É muito excecional ela estar aqui connosco», garantiu. «Para entrar, ela teve de ter um visto português que foi ultra complicado de conseguir na Embaixada de Portugal» no Qatar. De tal forma que, com tudo já marcado, voos, estadia, «só recebeu o visto no dia anterior».

Agora, para voltar àquele estado dos Emirados Árabes Unidos, Samar «precisa novamente de um visto, emitido pelo Qatar, mas só lho vão dar na terça-feira, o que a obriga a ficar cá em Portugal mais um dia». «Não foi fácil a Samar estar aqui connosco e vai ser difícil voltar», resumiu.

Mas estas dificuldades nada são quando comparadas com o sofrimento dos palestinianos fechados em Gaza.

«Eu aprendi a fotografar por mim, com a prática de tirar fotos na rua, para poder mostrar a minha visão», salientou a fotojornalista.

A escolha de Samar não foi fácil, nem bem compreendida. «A comunidade lá não percebia como é que uma mulher andava a tirar fotos na rua», admitiu.

«Quando viajei pela primeira vez para o Egito, para mostrar as minhas fotos, o meu pai não falou comigo durante dois meses e não vinha à minha casa». Só quando o seu trabalho de fotojornalismo começou a ganhar prémios e a ser reconhecido a nível internacional é que a família lhe passou a dar algum apoio.

Na inauguração da exposição dos premiados da WPP em 2025, em Portimão, perante o silêncio comovido de dezenas de pessoas, Samar falou sobre as suas fotos premiadas, contando as histórias terríveis e duras de ouvir atrás de cada uma delas. Como a foto daquele fotojornalista palestiniano, seu colega, com o cadáver do filho nos braços. Ou a história do muito jovem Mahmoud, que perdeu grande parte da família no bombardeamento e conseguiu sobreviver, porque os seus braços, despedaçados, lhe foram amputados a sangue-frio, ainda em Gaza.

«Muitas crianças de Gaza não têm tratamento porque não há hospitais, os médicos e enfermeiros que ainda sobrevivem não têm meios. Há 170 mil pessoas feridas em Gaza», que não conseguem aceder a qualquer tratamento, recordou a jornalista. Além disso, os médicos e enfermeiros, sublinhou, «também estão sem comida, a passar fome».

«Mahmoud é um miúdo forte, agora já brinca, embora não tenha braços para o amparar se cair. Já vai à escola». Mas que marcas ficam na mente de uma criança que sofreu o que ele sofreu? É a incógnita sobre esse futuro desconhecido, que se adivinha no olhar da criança, que a WPP quis premiar.

Mas o que se passa em Gaza, mesmo estando em segurança no Qatar, continua a tirar o sono a Samar.

«Eu comecei a trabalhar há 15 anos e conheço os fotojornalistas que lá trabalham todos. Alguns deles já morreram, outros estão a morrer, aos poucos, de fome». Se uma bomba não os atingir antes. Desde o início da guerra, já morreram mais de 220 jornalistas em Gaza.

Samar sofre sobretudo pela sua família, que continua no território palestiniano.

«A minha Mãe perdeu 20 quilos», por causa da fome. Samar, que fala inglês, mas às vezes tem dificuldade em explicar-se, diz qualquer coisa em árabe ao tradutor, que repete, em português: «consegue ver-se os ossos de tão magros que estão».

«Nem consigo imaginar como é agora, quando saí de lá ainda não estava tão mau», acrescenta a jornalista.

Samar mantém contacto com a sua família em Gaza através da internet, nomeadamente usando o WhatsApp. Mas muitas vezes, a internet não está disponível.

«Quase a primeira pergunta que ela me fez quando chegou é se teria acesso à internet e ficou admirada com a facilidade de acesso que há aqui em Portugal, com internet em espaços públicos, etc», contou João Neves dos Santos.

Mas os contactos que Samar mantém com a família não são fáceis. A sua irmã, por exemplo, está zangada com ela porque está a morrer de fome em Gaza e não consegue arranjar comida para alimentar os filhos.

«Não consigo dormir nenhuma noite, falo com a minha irmã em Gaza, falo com os meus colegas e amigos que lá estão, e choro, choro muito. Nem sei como me sinto». afirma, de voz embargada.

«O que é que o Mundo precisa mais para ver que é preciso parar a guerra?», interroga.

De regresso ao Qatar, Samar Abu Elouf tem vários projetos para concretizar. Para já está a preparar um livro com fotos suas sobre «Gaza antes da Guerra». «E quero andar pelo mundo a mostrar as minhas fotos e as condições em que vive o meu povo», anuncia.

Rafael Dias da Silva, da Fundação WPP, também presente na inauguração, sublinhou que, em 70 anos de World Press Photo, esta é apenas «a quinta mulher a ganhar a Foto do Ano». «Estamos a tentar aumentar a participação das fotojornalistas», acrescentou, e atualmente «25% dos competidores são hoje mulheres», quando de início eram apenas 13%. Mas ainda há muito a fazer, neste campo.

A Portimão, além de Samar Abu Elouf, ainda virão duas outras mulheres fotojornalistas premiadas: no próximo fim de semana será a portuguesa Maria Abranches, que virá falar sobre o seu trabalho premiado na categoria «Histórias», intitulado «Maria».

«Freelancer com um olhar profundo sobre realidades invisibilizadas, Maria Abranches venceu com um conjunto de imagens que revela a vida de Maria, uma mulher angolana explorada em Portugal desde a infância», explica a organização.

«O ensaio denuncia situações de abuso, racismo estrutural e invisibilidade social. As fotografias são íntimas, diretas e profundamente humanas».

No fim de semana de 2 e 3 de Agosto, será a vez de estar em Portimão a fotojornalista brasileira Amanda Perobelli, que foi premiada na categoria Reportagem, com o seu trabalho sobre «As piores enchentes do Brasil».

Amanda «documentou com coragem e urgência as consequências devastadoras das enchentes que assolaram o Brasil. A série premiada apresenta imagens poderosas de destruição, dor e resiliência, revelando a ligação entre colapso climático, desigualdade social e omissão do poder público».

No edifício recuperado da Antiga Lota de Portimão, na zona ribeirinha da cidade, podem ser vistas, até 10 de Agosto (das 18h00 à meia noite), as 42 fotografias vencedoras, selecionadas de um total de 59.320 imagens a concurso, da autoria de 3778 fotógrafos de 141 países.

As imagens convidam os visitantes a olhar para além do ciclo noticioso e a envolverem-se em histórias de todo o mundo, que se destacam no cenário político e mediático mundial em rápida transformação, como foi o de 2024.

São histórias de luta e desafio, mas também de calor humano e coragem, tendo sido selecionadas por um júri internacional independente pela sua qualidade visual e compromisso com a representação diversificada.

Portimão é, assim, mais uma vez, a primeira cidade portuguesa a receber a exposição da World Press Photo, contando com curadoria da Associação Cultural Música XXI e apoio do Município portimonense.

Depois da estreia na cidade algarvia, em Portugal só está prevista mais uma exposição dos vencedores da WPP na Maia, no Norte.

Rafael Dias da Silva destacou a importância desta mostra e do concurso em si como forma de defender «a liberdade de expressão, para que pessoas como a Samar possam continuar a fazer o seu trabalho em todo o mundo».

Fotos: Elisabete Rodrigues | Sul Informação