Depois de um ano de egoísmos e hipocrisias, a época de Natal é propícia a reflexões e ao despertar do espírito fraterno. E pelas reflexões, dei comigo a pensar nas parecenças entre Putin e Salazar. A velha frase de Salazar, “para Angola em força”, parece coincidir com a intenção de Putin, para a Ucrânia em força. Ambos, são criminosos que sem qualquer justificação, se é que podia haver, deixaram muitas crianças vítimas da guerra e órfãs. Depauperaram as finanças dos seus países para manterem uma guerra estúpida. Tal como Salazar, Putin persegue os seus opositores e a censura é a lei; tal como Salazar, Putin tem a reprovação da comunidade internacional; tal como Salazar, Putin é um político imbecil e medíocre, como escreveu Fernando Pessoa.
O mundo atravessa grandes desafios, circula entre o progresso e os retrocessos e assiste impotente ao crescimento das desigualdades. Muito se deve ao egoísmo, às políticas de favorecimentos e ao fechar de olhos aos apetites vorazes de quem tem muito e ainda quer mais a todo o custo.
Este ano, sem surpresas, Marcelo conseguiu a reeleição e Portugal assistiu a uma reviravolta política com o PS a assumir a maioria absoluta. A extrema-direita à semelhança do que se passa na Europa, cresceu, enquanto o BE e o PCP foram penalizados por não abdicarem de mais investimento no SNS e na Educação, assim como a anulação de políticas laborais do tempo da troika, que penalizam muito quem trabalha por conta de outrem.
A gestão da coisa pública não pode ser uma lotaria, enquanto obrigam os contribuintes a um esforço acima das possibilidades e os trabalhadores são tratados à margem das leis. Ao contrário, os rendimentos dos administradores públicos são escandalosos.
Os casos e casinhos que António Costa atribui aos adversários, rebentam nas mãos do primeiro-ministro com as trapalhadas criadas por elementos do governo e as substituições sucedem-se. Aparentemente estes processos de limpeza no governo apagam as salsadas, mas os mais atentos exigem explicações.
Tudo isto descredibiliza a política, visto que muitas pessoas não distinguem o trigo do joio. Todos esperámos que as trapalhadas do governo de Santana Lopes tivessem sido um acidente de percurso, mas afinal continuam. Já é tempo de assumir uma estratégia diferente, porque não basta trocar Ministros e Secretários de Estado. E enquanto defendem que a consolidação orçamental e a dívida se resolvem aumentando e criando impostos, a economia continua a definhar e a vida das pessoas a piorar, enquanto as elites fazem fortuna a explorar e a fugir aos impostos.
Este ano, também fica marcado pelo alívio na covid-19 graças às vacinas e pela invasão russa a territórios da Ucrânia. E se a história serve de motivo, a Nato é o álibi de Putin. O mundo está mais crispado e desunido e o futuro está mais incerto, com nuvens no horizonte.
Amanhã, é o último dia deste ano e as pessoas vão desejar um ano melhor, quando se sabe que vai ser pior; os astrólogos vão afirmar que os signos vão trazer coisas boas e é o que as pessoas querem ouvir, mesmo correndo o risco de se enganarem redondamente, como antes da pandemia, quando fizeram boas previsões.
Eu, também vou expressar os meus desejos. São os que faço ao longo do ano e desde o habitual e importante desejo de muita saúde, desejo que a humanidade pense em mais solidariedade e que perante as tendências grosseiras que florescem, resulte uma revolução de mentalidades, que opte por respeitar a natureza e os seres vivos. Não é concebível que a mulher continue a ser discriminada e vítima de violência; não é humano que continuem as práticas de escravatura laboral.
Continuo a desejar que nenhuma criança passe mal, que tenha cuidados de saúde e um bom sistema de Educação, mas as políticas que Abril permitiu para estes propósitos estão inquinadas. Quanto aos idosos, sabemos que quase 45 mil vivem sozinhos ou isolados em Portugal, devido ao centralismo neste país muito desequilibrado-assimétrico.
Sem querer fazer futurologia, deixo isso para o meu homónimo; o ano de 2023 apresenta-se com os astros desalinhados, para quem não faz parte do grupo dos mais ricos e dos mais favorecidos e estão muito distantes para quem vive das suas pensões. Mesmo em tempo de crise, a tendência continua, os ricos cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres. No ponto de vista da meteorologia temos nuvens negras e não estou a falar só do agravamento da crise climática, porque essa é a prova da irresponsabilidade da humanidade.
* Paulo Cardoso in Programa "Desabafos" / Rádio Portalegre - 30.12.2022
IMAGEM. Preparado para o Inverno - Cartoon de Vasco Gargalo