15.7.15

Apontamentos sobre a Queijaria de Nisa e Castelo de Vide (2) - O Passado e o Presente

 Na época a que me venho reportando, nos concelhos de Nisa e Castelo de Vide, faziam-se três tipos de queijo de leite cru:
- O de ovelha extreme, de dois tamanhos
- O mestiço, da mistura do leite de ovelha e de cabra, em proporções variáveis;
- O dos Montes, também de mistura do leite de ovelha e cabra, com predomínio mais frequente do cabrio.
O queijo de Ovelha era o característico de Nisa. O queijo que mais se impôs e afamou foi o de tamanho grande – 1.100 a 1500 gr de peso. Pela sua apresentação e qualidade ombreava com os queijos de ovelha do país do seu tipo. Esse deu nome a Nisa. Assim era conhecido.
O queijo de menor tamanho – 700 a 900 gr de peso – tinha qualidade, mas era absorvido pelo consumo local e regional.
O queijo Mestiço imperava no concelho de Castelo de Vide, tinha qualidade e reputação e tanto que pouco excedia o consumo local e as encomendas. O que sobrava tinha procura, logo no fim das queijeiras. O peso oscilava entre 600 e 800 gramas.
Como não havia regra sem excepção, a progressiva Casa Fragoso de Póvoa e Meadas (Castelo de Vide), só fazia queijo de ovelha dos dois tamanhos, do leite dos seus três rebanhos. O amor à árvore do proprietário não consentia a presença da cabra. Como dizia : “é bicho daninho, pasta alto, rói tudo onde chega”.
O queijo dos Montes, mais pequeno – 300 a 500 gr. De peso – era muito apreciado na zona, era praticamente absorvido pelo consumo local. Como mais pequenos, eram mais acessíveis no preço e como me dizia um ganhão, “condutavam bem”.
Noto que os produtores do autêntico queijo de Nisa, o grande, residiam em Nisa e lembro-me que nesse tempo se falava nalguns produtores fora de Nisa desse tipo de queijo. Apenas me vem à idia que um era de Arez, o lavrador Bastos, a Casa Rasquilho da Amieira e a Casa Correia, de Gáfete.
Os queijos de ovelha e os mestiços de Castelo de Vide eram consumidos curados. Os queijos de ovelha de maior tamanho também se consumiam, por vezes, na fase da pasta semi-mole, como acontecia com os seus congéneres de Serpa e Beira Baixa.
Lembro-me, porque assisti várias vezes, que os queijos guardados para consumo da casa eram mantidos em asados vidrados, tratados semanal ou quinzenalmente, para serem limpos, lavados com água ligeiramente salgada, secos a pano e untados no fim com azeite, para de seguida entrarem novamente nos asados.
Os queijos dos Montes eram consumidos, por via de regras, na fase de meia cura, com a massa, por vezes de consistência pastosa. Estes queijos depois de curados e pouco cuidados com o tempo secavam, engelhavam a casca, adquiriam sabor picante e activavam o cheiro, por vezes com exuberância.
Ainda me recordo das mulheres dos Montes e de Montalvão andarem de cesta na mão para venderem os queijos, de porta em porta, na minha aldeia.
Os queijos dessa época tinham características próprias, qualidade e reputação. Fartavam o consumo local e da região. Os excedentes tinham procura e aceitação nos mercados distantes.
Acentuo que na região não se vendia leite para queijar. Apenas nos Montes, segundo constava, num ou outro caso, o queijo era feito em regime de parceria entre vizinhos, quase sempre familiares.
Neste breve e singelo apontamento tentei recordar os queijos de Nisa e Castelo de Vide dessa época.
Nos tempos de estudante universitário, dois tipos de queijo tinham grande fama em Lisboa: o Serra e o Serpa. Na época própria enchiam as montras das mercearias finas da Baixa e do Chiado.
Curiosamente, o preço do queijo de Serpa era superior ao do queijo da Serra, ao invés do que acontece nos últimos vinte anos em que o preço do queijo da Serra, certificado ou só com o rótulo dessa região, supera bastante o preço do queijo de Serpa.
O queijo de castelo Branco ou da Beira Baixa, do mesmo tipo e apresentação dos referidos acima, aparecia menos nos mercados da capital.
O queijo de Nisa, idêntico aos anteriormente citados, no tamanho e características organoléticas, era o que tinha presença mais apagada no mercado lisboeta. A mais reduzida produção e a sua quase absorção pelo consumo local e regional, parecem explicar a sua mais parca presença.
A semelhança entre os quatro tipos de queijo é, a meu ver, inegável. As diferenças que se notam entre eles, filiavam-se, sobretudo, na fase de cura em que são lançados no mercado, portanto, na textura da massa. A mais reconhecida é a do queijo da Serra, com a sua pasta mole – de entorna – ou semi-mole com que aparece no mercado.
O hábito e o gosto dos consumidores, marca a sua preferência na escolha.
A semelhança reside na matéria-prima originária, na tecnologia de fabrico, no tamanho, na apresentação e nas características fundamentais.
Os técnicos e cientistas que se têm ocupado do estudo desses queijos são unânimes em afirmar que a raiz tecnológica dos queijos de ovelha focados é a do queijo da Serra e que os preceitos seguidos no fabrico na região da Serra da Estrela, foram divulgados e ensinados pelos pastores que acompanhavam os rebanhos em transumância pela Beira Baixa e pela faixa interior do Alentejo.
Neste grupo de queijos de ovelha, uma característica os distingue: a qualidade.
O queijo de Azeitão, igualmente de leite de ovelha extremes apareceu e ganhou fama mais tarde, depois de sofrer aperfeiçoamentos tecnológicos no fabrico e de ter sido fixado o formato e o tamanho. Entrou com galhardia no grupo de queijos de ovelha do país de alta qualidade.
Abro dois parêntesis: um para referir que comi em Espanha – Saragoça, Burgos, Talavera, Aranjuez, etc., o queijo Manchego, o mais corrente no país como queijo de ovelha. A qualidade era banal, ia do bom ao sofrível. Não impressionava e estava longe da qualidade dos queijos de ovelha citados.
Há três anos tive no Pavilhão de Espanha, na Feira Nacional de Agricultura (Santarém), a grande surpresa de ver e provar o novo queijo Manchego, feito para concorrência no mercado dos países da CEE.
Um queijo com rica apresentação, de tamanho grande, de bonito formato, com grande qualidade. Um progresso tecnológico notável, que muito dignifica os técnicos espanhóis.
O outro para anotar que a França é, na Europa e no mundo, o país mais rico em queijaria. São múltiplas e notáveis, pela constância do tipo e da qualidade, as variedades de queijo: o Roquefort, o Brie, o Point Levéque, o Camembert, o St. Lazaire, o Cantul, as Chévves (piramidal, cilíndrico, cúbico, o pequeno, etc.) eu sei lá quantas mais variedades.
Por isso os franceses se orgulham de ter o “rei dos queijos”, o Roquefort, e o “queijo dos reis”, o Camembert.
Portugal bem podia orgulhar-se de ter o “rei dos Queijos” , o Serra, e os queijos dos príncipes – o Serpa, o Beira Baixa, o Nisa , o Azeitão. São queijos de ovelha ímpares no mundo. A eles só se assemelha o Belle Daise italiano, sem os superar em qualidades sápitas.
Carrilho Ralo
NR - Este é o segundo texto do trabalho que temos vindo a publicar, da autoria do Dr. José Carrilho Ralo (já falecido) e foi entregue num caderno, escrito à mão, em Junho de 1997. Julgamos importante a sua divulgação, tanto pelo tema como pela autoridade profissional e científica do conhecido veterinário natural de Póvoa e Meadas