A vida de António da Graça Polido, como
todas as vidas da gente do povo, dava para escrever um livro.
Aos 78 anos, este antigo funcionário da
Junta Autónoma das Estradas, descobriu a arte e o jeito para esculpir peças em
madeira, como resposta a uma sugestão da filha para combater, imagine o leitor,
o sono.
Os seus trabalhos, reproduzindo o
acervo magnífico das fontes de Nisa pode ser apreciado na Biblioteca Municipal
até princípios de Setembro.
Reformado desde os 64 anos,
António Polido arranjou um bocado de terreno e dedicou-se à agricultura, pois,
“parar é morrer” e vida é uma palavra de que este nisense conhece bem o valor,
já que aos 42 anos teve um enfarte.
Vendida a parcela de
terreno, um novo dilema se lhe colocou: o que fazer?
Um
problema de difícil solução, para mais confrontado, devido à medicamentação,
com uma apetência desmesurada para dormir.
A
filha, professora em Portalegre, sugeriu-lhe que arranjasse uma ocupação e que
se dedicasse a fazer pequenas peças de artesanato, como forma de vencer a
sonolência.
Que
não tinha jeito, respondeu-lhe o pai. Mas, entre a insistência da filha e os
pesadelos que não o largavam, António Polido ganhou força, encheu-se de brio e
meteu mãos à obra. Muniu-se de madeira apropriada, experimentou fazer pequenas
peças (garfos, colheres, tarros), enfim, é ele quem o diz: “tomei-lhe o gosto”.
A
sugestão inicial deu lugar a um desafio: “… e se eu fizesse as fontes de Nisa?”
A primeira foi a que tinha logo ali à mão, a do Largo do Mártir, onde reside.
Seguiram-se
outras, sempre apoiado e entusiasmado pela filha, até à peça mais arrojada: a
Fonte do Rossio.
Foi
vê-la, uma e outra e outra vez. Mirou-a e remirou-a, tirou apontamentos, fez
desenhos e esboços, e do papel a Fonte saltou para uma peça magnífica em
madeira de faia, esculpida a golpes de navalha, de orgulho e de prazer.
Como
um menino que aprendeu as primeiras letras, António Polido fala com
indisfarçável orgulho dos seus trabalhos.
“Nunca
pensei fazer peças como estas e muito menos fazer uma exposição, pelo que
agradeço às pessoas que me têm apoiado, em primeiro lugar à minha filha, pois
foi ela a principal responsável. Consegui fazer o que nunca supus ser capaz e
agora até durmo melhor. Por isso quero agradecer a toda a gente que me apoiou."Quanto
às peças, todas me têm dado prazer. Utilizo madeira de faia, com plátano ou
freixo dá mais trabalho, mas a peça fica mais perfeita. Todo o trabalho é feito
à mão, a navalha ou canivete. A peça mais trabalhosa foi a Fonte do Frade, mas
a Fonte do Rossio foi um desafio e a que me apliquei com maior afinco e
entusiasmo, até para responder àqueles que me diziam: ”essa não é para as tuas
barbas!”.”
Mas
foi e de que maneira. As dúvidas, se as houvesse, ficaram desfeitas com ao
acervo artesanal que mostrou em exposição realizada na Biblioteca Municipal de
Nisa.
O ti António Polido já nos deixou há alguns anos, mas este registo de Vidas fica como exemplo de que, seja em que idade for, desistir não é o caminho. Há sempre uma nova esperança à nossa frente para tornar os dias menos negros e amargos, reaprendendo, de novo, a sorrir.